- Mais voimicê tamém é Barão, dotor - indagou Belardo. Mas logo o repreendi, dizendo em tom forte:
- Vosmecê nunca mais repita isso. Sou contra o que os Barões fazem. Deixe eu continuar contando...
Um dia, Bá, a mucama da casa, estava comentando com outra mucama, ambas alforriadas, sobre a Lei Áurea. Só que foram descuidadas. Logo Zé escutara o fato e indagou:
- Quié qui voimicê disse, Bá, repete.
-Disse nada não, Caré. Vai trabaiá. O Sinhô Barão tá aí, homi, a num sê qui voimicê quer ir pro pelurinho.
- Não, muié. Eu escutei bem, voimicê falô de uma lei que dá liberdade pa nóis.
- Já lhe disse que num é isso, sô. Agora vai trabalhá porque o sinhô tá aí.
Depois de muita insistência Zé Caré deixa Bá "se aquietar" e volta ao trabalho nas lavouras de café. Ficou remoendo este comentário grandioso a noite toda também. Pela manhã, seu Fulgêncio o chamou até a casa grande, para irem à Vila de Ouro Grande. Zé foi até a casa grande. Seu Fulgêncio, então, disse-lhe:
- Caré, levar-te-hei para a cidade comigo, para conhecê-la. Queres ir?
- Sim, sinhô. Eu nunca que ia imaginá que um dia arguém ia me levá na cidade, uai - respondeu o pobre escravo Caré, com sua face alegre. Então foram.
O que o pobre Zé Caré não imaginava era que iria ser vendido. Iria se separar de Bá, que é como uma mãe para ele. Iria se separar de mim, um dos seus melhores amigos. Iria se separar do seu povo, para trabalhar forçado numa outra estância de um outro coronel ganancioso, igual ou pior que meu pai. Logo que disse a palavra "pai", Belardo me repreendeu perguntando:
- Mai voimicê é filho daquele tirano?
- Infelizmente - disse à Belardo. -Não pedi para nascer dele, mas, se não tivesse acontecido assim, vosmecê ainda estaria trabalhando nas lavouras do seu Fulgêncio, que ainda não faleceu. Dizem que vaso ruim não quebra fácil, foi por isso que meu pai, ou melhor, seu Fulgêncio ainda não falecera. Levando o pobre Caré até a venda do Irineu, seu Fulgêncio disse à um outro Barão que ali estava. Posso dizer-te tudo isto com clareza, pois mamãe não autorizava papai sair da estnância desacompanhado por um dos filhos. É raro uma mulher mandar tanto num homem como mamãe mandava no seu Fulgêncio. Mas mamãe era uma mulher de peso.
- Por que "era", Dotor?
- Mamãe morreu há alguns anos, não suportou a tirania coronelista conservadora de seu Fulgêncio.
- Diacho! Voimicê não há de falá mesmo como era esse seu pai hein? Voimicê pode falá algo dele para mim?
- Esqueci que vosmecê não o conheceu. Tinha três anos quando o tirei daquela casa. Afinal, eu, com vinte anos, já podia sar de casa, sem ter algum capanga do Fulgêncio atrás de mim. Vosmecê se lembra de como foi nossa fuga, não?
- E como podia esquecê, dotor!
- Ótimo, agora, vamos voltar à história de seu pai.
Meu pai perguntou ao Barão de Nova fé se ainda estava interessado em comprar alguns escravos. O Barão disse que sim. Então meu pai, com um sorriso imenso, como quem tinha fechado um grande negócio, disse:
- Muito bem, Ferreira. Trinta contos de réis nos negros, e ainda lhe dou o Caré, o meu melhor negro. O que me diz?
- Aceito - respondeu o Barão, algegre com o bom negócio. os únicos que não estavam alegres eram eu e teu pai. Eu tentei reverter a situação, mas meu pai não me dava ouvidos, e sim, pontapés.
- E o pai, dotor? E o pai? - perguntou o pobre Belardo.
- Somente via lágrimas nos olhos de teu pai, meu caro. Ele chorava porque não iria ver-te nunca mais. A saudade batia forte em seu coração. E eu o abraçava fraternalmente, sendo, consequentemente, o alvo dos olhares brancos, capitalistas, coronelistas e preconceituosos da venda do velho Irineu. Mas não me importava. queria consolar meu amigo naquela hora, ignorando a todos. Então, Caré se foi. Já não havia mais nada para se fazer. Eu e seu Fulgêncio voltamos para a estância. O Barão voltou à sua vidinha pacata. E eu fiquei tramando um plano para, junto com teu pai, libertar es negros da senzala. Mas...
- Mais o quê, homi de Deus! Fala logo o que fizero com meu pai p'eu chorar o que eu não chorei todos esses anos que passei nesta casa, escondido do teu pai, até a República chegá ou saí ou sei lá o quê!
- Teu pai voltou para a estância junto com o Barão de Nova Fé. Lá chegando, foi direto para o peliurinho, à mando do próprio Barão.
- Mas o que aconteceu, Ferreira? O que o Caré fez?
- Nada. Somente ele e mais um talzinho chamado "Irmão do Quilombo" libertaram todos os negros da redondeza. Muitos coronéis estão no prejuízo. Quero meus contos de réis de volta. Arque com os prejuízos também. Passar bem! E se foi. Meu pai, de tão furioso, resolveu ele próprio chibatar teu pai.
- Desgraçado! Ele não vai morrê tão cedo, dotor, não deixa! Ele vai pagá por tudo que fez! Aqui nesta vida! - Choramingou Belardo.
- Teu pai mesmo disse que era para mim levar-te comigo se algo acontecesse com ele. Ele já sabia o seu fim. Morto num pelourinho pelo Barão de Ouro Grande, por tentar dar liberdade aos seus "irmão de cor". Mas não se preocupe, filho. Teu pai está com Deus. Nós ainda vamos sofrer com os coronéis aqui na Terra. Meu pai, hoje está com uma doença incurável. Logo morrerá. Sou um advogado e você está se formando. Logo se formará em Direito também. Juntos seremos como Zé Caré, que morreu para dar um pouco de liberdade à seu povo. E, juntos, também tentaremos dar liberdade ao nosso povo, o povo brasileiro. E, se for preciso, pagaremos o preço da liberdade!
- Já lhe disse que num é isso, sô. Agora vai trabalhá porque o sinhô tá aí.
Depois de muita insistência Zé Caré deixa Bá "se aquietar" e volta ao trabalho nas lavouras de café. Ficou remoendo este comentário grandioso a noite toda também. Pela manhã, seu Fulgêncio o chamou até a casa grande, para irem à Vila de Ouro Grande. Zé foi até a casa grande. Seu Fulgêncio, então, disse-lhe:
- Caré, levar-te-hei para a cidade comigo, para conhecê-la. Queres ir?
- Sim, sinhô. Eu nunca que ia imaginá que um dia arguém ia me levá na cidade, uai - respondeu o pobre escravo Caré, com sua face alegre. Então foram.
O que o pobre Zé Caré não imaginava era que iria ser vendido. Iria se separar de Bá, que é como uma mãe para ele. Iria se separar de mim, um dos seus melhores amigos. Iria se separar do seu povo, para trabalhar forçado numa outra estância de um outro coronel ganancioso, igual ou pior que meu pai. Logo que disse a palavra "pai", Belardo me repreendeu perguntando:
- Mai voimicê é filho daquele tirano?
- Infelizmente - disse à Belardo. -Não pedi para nascer dele, mas, se não tivesse acontecido assim, vosmecê ainda estaria trabalhando nas lavouras do seu Fulgêncio, que ainda não faleceu. Dizem que vaso ruim não quebra fácil, foi por isso que meu pai, ou melhor, seu Fulgêncio ainda não falecera. Levando o pobre Caré até a venda do Irineu, seu Fulgêncio disse à um outro Barão que ali estava. Posso dizer-te tudo isto com clareza, pois mamãe não autorizava papai sair da estnância desacompanhado por um dos filhos. É raro uma mulher mandar tanto num homem como mamãe mandava no seu Fulgêncio. Mas mamãe era uma mulher de peso.
- Por que "era", Dotor?
- Mamãe morreu há alguns anos, não suportou a tirania coronelista conservadora de seu Fulgêncio.
- Diacho! Voimicê não há de falá mesmo como era esse seu pai hein? Voimicê pode falá algo dele para mim?
- Esqueci que vosmecê não o conheceu. Tinha três anos quando o tirei daquela casa. Afinal, eu, com vinte anos, já podia sar de casa, sem ter algum capanga do Fulgêncio atrás de mim. Vosmecê se lembra de como foi nossa fuga, não?
- E como podia esquecê, dotor!
- Ótimo, agora, vamos voltar à história de seu pai.
Meu pai perguntou ao Barão de Nova fé se ainda estava interessado em comprar alguns escravos. O Barão disse que sim. Então meu pai, com um sorriso imenso, como quem tinha fechado um grande negócio, disse:
- Muito bem, Ferreira. Trinta contos de réis nos negros, e ainda lhe dou o Caré, o meu melhor negro. O que me diz?
- Aceito - respondeu o Barão, algegre com o bom negócio. os únicos que não estavam alegres eram eu e teu pai. Eu tentei reverter a situação, mas meu pai não me dava ouvidos, e sim, pontapés.
- E o pai, dotor? E o pai? - perguntou o pobre Belardo.
- Somente via lágrimas nos olhos de teu pai, meu caro. Ele chorava porque não iria ver-te nunca mais. A saudade batia forte em seu coração. E eu o abraçava fraternalmente, sendo, consequentemente, o alvo dos olhares brancos, capitalistas, coronelistas e preconceituosos da venda do velho Irineu. Mas não me importava. queria consolar meu amigo naquela hora, ignorando a todos. Então, Caré se foi. Já não havia mais nada para se fazer. Eu e seu Fulgêncio voltamos para a estância. O Barão voltou à sua vidinha pacata. E eu fiquei tramando um plano para, junto com teu pai, libertar es negros da senzala. Mas...
- Mais o quê, homi de Deus! Fala logo o que fizero com meu pai p'eu chorar o que eu não chorei todos esses anos que passei nesta casa, escondido do teu pai, até a República chegá ou saí ou sei lá o quê!
- Teu pai voltou para a estância junto com o Barão de Nova Fé. Lá chegando, foi direto para o peliurinho, à mando do próprio Barão.
- Mas o que aconteceu, Ferreira? O que o Caré fez?
- Nada. Somente ele e mais um talzinho chamado "Irmão do Quilombo" libertaram todos os negros da redondeza. Muitos coronéis estão no prejuízo. Quero meus contos de réis de volta. Arque com os prejuízos também. Passar bem! E se foi. Meu pai, de tão furioso, resolveu ele próprio chibatar teu pai.
- Desgraçado! Ele não vai morrê tão cedo, dotor, não deixa! Ele vai pagá por tudo que fez! Aqui nesta vida! - Choramingou Belardo.
- Teu pai mesmo disse que era para mim levar-te comigo se algo acontecesse com ele. Ele já sabia o seu fim. Morto num pelourinho pelo Barão de Ouro Grande, por tentar dar liberdade aos seus "irmão de cor". Mas não se preocupe, filho. Teu pai está com Deus. Nós ainda vamos sofrer com os coronéis aqui na Terra. Meu pai, hoje está com uma doença incurável. Logo morrerá. Sou um advogado e você está se formando. Logo se formará em Direito também. Juntos seremos como Zé Caré, que morreu para dar um pouco de liberdade à seu povo. E, juntos, também tentaremos dar liberdade ao nosso povo, o povo brasileiro. E, se for preciso, pagaremos o preço da liberdade!
FIM
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